Faz pouco tempo, um amigo me chamou a atenção para o fato de eu gostar tanto de filmes do Tarantino, todos tão violentos. "A violência é tão fascinante / E nossas vidas são tão normais", eu poderia ter respondido, citando uma velha canção.
Kill Bill Vol. 1 é meu filme preferido e tenho mesmo uma atração por essa estética que Tarantino imprime em suas obras. Mas a violência que está em Tarantino, assim como a que está em Kubrick (Full Metal Jacket; A Clockwork Orange) é uma manifestação artística.
Essa violência está revestida - e recheada - de sentidos que transbordam a violência per se. Ela é veículo, manifestação que revela algo que a transcende, que ela própria denuncia, que é seu real motivo de existir: a reflexão sobre algo que está além, que pertence a outra esfera, que não se finda em si.
Não é que Tarantino ou Kubrick justifiquem a violência. Naquele, aliás, ela é "gratuita", exagerada, quase caricata. E é esse tom, borrado de ironia e cinismo (também presente em Kubrick), que leva o espectador a refletir. É isso que exerce atração em mim, é por isso que esse cinema é arte e não realidade: porque não é preciso ir "às vias de fato" - basta assistir aos filmes. Eles são um "universo protegido", uma ficção que termina quando a luz acende e voltamos para a vida real. Lá exercitamos desejos e emoções que não se podem transpor ou realizar na vida cotidiana.
Talvez seja essa mesma fascinação que sente quem assiste, tarde da noite, as lutas de UFC que agora a TV transmite. Não vou entrar no mérito de discutir se isso é ou não esporte. Mas o fato é que aquilo não é ficção, é realidade. O sangue, as dores, as fraturas, tudo se dá num corpo de carne e osso, de alguém que está ali arriscando sua própria integridade física de verdade.
E é nesse pequeno detalhe que, creio, mora a sordidez dessas lutas - e de quem as assiste. Ainda que os lutadores entrem no ringue espontaneamente, usando de livre arbítrio, simplesmente porque querem e sabendo dos riscos que correm.