sábado, 27 de outubro de 2012

Uma questão de tradução

Uma das palavras mais lindas e perturbadoras do francês, para mim, é étonner. A expressão "Je suis étonnée" tem algo de inapreensível, de fugidio, de mágico. Tem um significado para além do que o dicionário consegue dizer: ficar estupefato, perplexo, maravilhado.

Lembro-me perfeitamente de quando descobri o que isso significava e do quanto isso me perturbou, justamente pelo caráter inapreensível dessa significação. Acho que é algo que não pode ser traduzido, como em português é o caso de "luar" ou "saudade". Na aula de francês, o professor pediu que eu desse um exemplo, que foi "En rêvant, je m'étonne" (Ao sonhar, eu me maravilho). E fiquei por muito tempo pensando o quanto essa tradução não era suficiente para traduzir de fato a alma dessa palavra, que talvez seja, para a mim, a mais linda dessa língua que é, em si, linda.

"Étonner" me assombra, me instiga. E eu persigo essa tentativa de captá-la inteira, profundamente. E sei que isso é impossível, porque esse sentimento é da ordem do inominável, do indizível, porque não há palavras que preencham esse significado. Aqui, acho, o significante fala mais.

Entretanto, tenho uma sensação: cada vez que "je m'étonne", eu tenho uma epifania.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

À luz de Clarice

Era fim de tarde de uma sexta feira qualquer. Eu estava mandando o último email da semana quando ouvi um estrondo na rua, seguido de um rápido clarão. Depois, tudo se apagou: meu computador, a lâmpada do escritório, o som do rádio. Um transformador queimara, a luz acabara.

Ainda estava escurecendo e no lusco-fusco eu ainda distinguia formas, com a ajuda das janelas abertas e da lua cheia que se insinuava. Mas que fazer numa noite de sexta feira às escuras? Sem rádio de pilha, temendo descarregar a bateria do celular, pus-me a ler. Era isso que fazia, criança, quando a luz acabava em casa.

Procurei uma vela, acendi-a com um fósforo. Coloque-a num pires, sobre a mesa de jantar. E saí em busca de um livro. "A Descoberta do Mundo",  livro muitas vezes já lido e relido, mas que nunca se esgota: muito apropriado para redescobrir a escuridão e uma situação pela qual eu não passava há anos.

Abri numa página ao acaso: Banhos de mar. Sob a luz quente e hesitante da vela, comecei a ler. "Atravessar a cidade escura me dava algo que jamais tive de novo. No bonde mesmo o tempo começava  a clarear e uma luz trêmula de sol escondido nos banhava e banhava o mundo (...). E quando eu me lembrava de que no dia seguinte o mar se repetiria em mim, eu ficava séria de tanta ventura e aventura. (...) A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar?"

E, então, Clarice iluminou minha escuridão.


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Alguma coisa está fora da ordem ou eu é que sou alienígena?


Quem me conhece sabe a fobia, o pavor, que tenho de cães, não importa o tamanho que sejam: pequenos, médios, enormes; bravos ou mansos. Mas não é porque os temo que não gosto deles. Costumo dizer que nunca tive tempo pra gostar ou não, pra estabelecer qualquer empatia com a espécie, simplesmente porque não consigo conviver com eles. A isso se chama cinofobia: não é frescura, não é frieza, não é ser desalmado, nem não ter coração.

Acontece que pra mim não dá pra conviver com eles. Não consigo estar no mesmo ambiente de um cão sem coleira, fico completamente paralisada de medo.  E acontece também que, cada vez mais, algumas pessoas acham que bichos são gente. Algumas preferem bicho a gente, outras dizem isso com orgulho(!).

Nada contra bichos. Aliás, tudo a favor disso: adoro gatos, passarinhos, corujas, peixinhos, serpentes, calopsitas e todos os outros que possam ser de estimação. Mas não dá pra acreditar que tem gente que os trate como gente.

Outro dia, vi duas mulheres – provavelmente mãe e filha – dentro de uma livraria com seus respectivos cãezinhos no colo. Porque levar um cão numa livraria que fica dentro de um shopping? Juro que me deu vontade de ir até elas e perguntar com que idade eles tinham aprendido a ler, se preferiam Drummond a Bukowski. Mas guardei meus pensamentos e me certifiquei de estar a uma distância segura caso elas soltassem os bichinhos no chão.

Tem gente que chama os bichinhos de “filhos” e dorme com eles – o que parece que é cada vez mais normal e aceitável socialmente –, outros que fazem festa de aniversário e “noivado” (quando eles vão cruzar), dão chupeta, oferecem doces criados especialmente para eles: chocolate, panetone, biscoito. Eu não entendo isso. Se um bicho é um bicho, deveria ser tratado como tal. Bem-tratado como tal, aliás. Porque imagino que esses “doces para bicho” devem fazer mal ao organismo de animais que, desde sempre, se alimentavam de outras coisas.

Sei que talvez eu arrume muita encrenca expondo esta minha opinião, mas o que eu acho é que “alguma coisa está fora da ordem”. Pessoas levam seus animais de estimação a passear no shopping, a festas de aniversários de humanos, a livrarias e até à casa de outras pessoas para “visitar”. Isso sem falar nas pessoas que deixam seus cães saírem para passear sozinhos, sem coleira; ou aqueles que tiram a coleira durante o passeio porque o animal precisa de “liberdade” para fazer suas necessidades fisiológicas. Para além de ser proibido – há uma Lei Municipal sobre isso – esse comportamento põe em risco o próprio animal (que pode vir a ser atacado por outro ou mesmo atropelado) e os passantes. Por mais que um bichinho seja manso, ninguém garante que ele não possa ter uma reação inesperada, não por agressividade, necessariamente, mas até por medo (e por medo de quem expressa medo por eles).

Eu acho que as pessoas que gostam de bichos devem ter animais de estimação, sim. Mas também acho que o espaço público, onde se constrói a sociedade – que é humana – deve ser respeitado. Passeie com seu animalzinho na coleira, não o deixe solto na rua, onde é proibido. Não o leve a lugares públicos: casa de amigos e parentes, festas, shoppings, livrarias e restaurantes são lugares para sociabilizar apenas uma espécie, o bicho homem.

Cuide da alimentação dele: dê ração e outros alimentos apropriados; vacine, dê carinho e afeto. Mas trate seu animal de estimação como tal. Porque as outras pessoas não têm a obrigação de ficarem expostas ao seu animal: seja ele um cão, um gato ou uma serpente.

Tenho a impressão de que as pessoas deveriam pensar em preferir gente a bichos. Em vez de humanizar seus animais de estimação, deveriam se importar mais com seus semelhantes. E não deveriam substituir o contato com humanos pelo contato com animais. Afinal, se não pudermos confiar na nossa própria espécie, que será de nós? Bicho é bicho; gente é gente. Ou eu é que sou alienígena? 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

#prontofalei (oi, oi, oi)


Eu preciso confessar: estou viciada em Avenida Brasil. Sim, estudei Machado de Assis, sim, adoro Clarice Lispector, Pessoa, Poe e Borges, assisto Tarantino, Bergman, Kubrick e outras coisas assim. Mas eu também adoro televisão. Especialmente novela. Tanto que um dos meus amigos mais queridos eu conheci por ter começado a conversar com ele sobre uma obscura novela dos 90: Araponga. Meu TCC foi sobre uma novela – Roque Santeiro –, algumas lembranças de fatos eu relaciono com novela: “Nossa, isso aconteceu na época de Bambolê!”.

Não sei porque, mas tenho lembranças de novelas desde que sou muito pequena: Pão, pão, beijo, beijo; Livre para voar; Elas por elas, Um sonho a mais, Transas e caretas, Vereda tropical, Paraíso, Sinhá Moça; Champagne. Lógico que não lembro detalhes, mas essas coisas ocupam certo espaço na minha memória.

Muito cedo também, eu parei de seguir novela. Vamp foi a primeira que eu desisti de ver – porque aquela versão de “Sympathy for the devil” não me convenceu – e aí só voltei a acompanhar algumas tramas televisivas nos anos 2000. Mas são só algumas, não são todas. Até porque, quando eu vicio numa novela, eu começo a assistir todos os capítulos, compulsivamente. E isso era muito difícil antes de existir internet.

E é isso que está acontecendo comigo em Avenida Brasil. Não comecei a ver desde o primeiro capítulo, mas no segundo mês, eu já tinha viciado. Porque o ritmo é frenético (diminuiu de uns tempos para cá, mas antes, era!), porque a vilã é muito má (Adriana Esteves me surpreendeu), porque a mocinha não é tão boazinha assim e porque tem muita comédia com referências interessantes (Betty Faria arrasando como Pilar; o Nilo de José de Abreu cantando “Nem vem que não tem”; o Adauto de Juliano Cazarré dizendo que o tiramissú que se come na mansão é feito com queijo “Al Capone”).

Na verdade, eu nem vejo “Avenida Brasil”. Eu vejo a “Carminha”. Assim como eu parava para assistir a “Flora”, de “A Favorita”. Carminha é a Flora 2.0, apesar de não ser tão irônica e cínica (Carminha me lembra um pouco um desenho animado).  Além do quê, tem uma coisa divertida nessa novela: a Nina indicando livros para Tufão, como se o alertasse sobre a trama. Já rolou de tudo: “O Alienista”, “Dom Casmurro”, “Madame Bovary”, “A Metamorfose”, “Memórias Póstumas” e até um improvável “A interpretação dos sonhos”. Tudo pro Tufão entender que está sendo passado pra trás. Nada adiantou, por enquanto – o capitulo de ontem começa a me desmentir. Mas pode ser que esteja certa a “profecia” de José Simão: “Tufão só vai descobrir que é corno no Vale a pena ver de novo”.

Enquanto isso, eu não desgrudo da TV. #prontofalei.