sábado, 13 de setembro de 2014

Cada livro tem duas histórias

Fui desafiada por amigos leitores compulsivos e vorazes a participar de uma troca de livros. O termo "desafio" é por minha conta. Na verdade, é só uma brincadeira, um convite, um jeito de trocar paixões: livros que não fazem mais sentido para você e podem fazer sentido para outra pessoa.  E esse "sentido" pode ter várias interpretações: pode ser algo que você estudou e já não estuda mais, uma edição antiga que você já atualizou, um livro que já não te diz mais nada.

Olhei as estantes em busca de algo. E foi aí que me descobri possessiva e ciumenta (não que eu não soubesse dessa minha característica antes, mas ficou isso patente naquele momento). E foi aí que descobri que, para mim, cada livro não conta apenas uma história, conta duas: a história que nele está escrita e a história dele comigo.

Comecei pelo óbvio: livros que não faziam mais sentido para mim, que ocupavam lugar de outros que poderiam chegar. E constatei, atônita, que cada livro tem um lugar nas estantes que o acomoda tão bem que dali ele não precisa ser retirado mais. Mas venci esse primeiro sentimento e tomei a iniciativa de tirá-los dali.

Passei os olhos: um por um, contavam uma história de um pedaço da minha vida. O primeiro livro que li sem figuras, ainda criança, com 6 anos de idade; o livro que foi assunto da minha primeira resenha numa revista de cultura; a pequena coleção dos "Livros do Mal", que revelou escritores que admiro muito, como Daniel Galera; livros que trouxe de viagens que fiz; livros que li na graduação e que marcaram minha vida; livros que li para a minha dissertação; livros que arrematei de uma biblioteca particular que doara volumes para ajudar uma instituição beneficente; livros que ainda não li e livros que já reli muitas vezes.

Descobri, com pasmo, que conheço essa segunda história de quase todos os livros de minha estante. Descobri que eles contam partes da minha vida que não estão em diários e que achei que estariam esquecidas, como a grande parte das histórias cotidianas, mas não estão. Descobri que seria muito difícil me apartar deles.

Foi uma viagem afetiva. E, ao final dela, consegui selecionar cinco. Cinco livros que agora terão três histórias: a que trazem impressa, a minha e a de quem os quiser receber.