domingo, 29 de dezembro de 2013

Tarantino e o UFC

Faz pouco tempo, um amigo me chamou a atenção para o fato de eu gostar tanto de filmes do Tarantino, todos tão violentos. "A violência é tão fascinante / E nossas vidas são tão normais", eu poderia ter respondido, citando uma velha canção.

Kill Bill Vol. 1 é meu filme preferido e tenho mesmo uma atração por essa estética que Tarantino imprime em suas obras. Mas a violência que está em Tarantino, assim como a que está em Kubrick (Full Metal Jacket; A Clockwork Orange) é uma manifestação artística.

Essa violência está revestida - e recheada - de sentidos que transbordam a violência per se.  Ela é veículo, manifestação que revela algo que a transcende, que ela própria denuncia, que é seu real motivo de existir: a reflexão sobre algo que está além, que pertence a outra esfera, que não se finda em si.

Não é que Tarantino ou Kubrick justifiquem a violência. Naquele, aliás, ela é "gratuita", exagerada, quase caricata. E é esse tom, borrado de ironia e cinismo (também presente em Kubrick), que leva o espectador a refletir. É isso que exerce atração em mim, é por isso que esse cinema é arte e não realidade: porque não é preciso ir "às vias de fato" -  basta assistir aos filmes. Eles são um "universo protegido", uma ficção que termina quando a luz acende e voltamos para a vida real. Lá exercitamos desejos e emoções que não se podem transpor ou realizar na vida cotidiana.

Talvez seja essa mesma fascinação que sente quem assiste, tarde da noite, as lutas de UFC que agora a TV transmite. Não vou entrar no mérito de discutir se isso é ou não esporte. Mas o fato é que aquilo não é ficção, é realidade. O sangue, as dores, as fraturas, tudo se dá num corpo de carne e osso, de alguém que está ali arriscando sua própria integridade física de verdade.

E é nesse pequeno detalhe que, creio, mora a sordidez dessas lutas - e de quem as assiste. Ainda que os lutadores entrem no ringue espontaneamente, usando de livre arbítrio, simplesmente porque querem e sabendo dos riscos que correm.


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Talhe

A busca do inesgotável
A fonte que nunca secará
A palavra que nunca cessará
Todas, muitas, inúmeras, inequívocas, verborrágicas
Inexistentes
Até que o silêncio tome conta da folha de papel
E fique impresso na retina
Até que haja um corte exato, preciso, profundo
E a massa disforme de letras se transforme
Em poesia

(2002/2013)

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Você me ouve, Major Tom?

"Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu"

É assim que acaba o famoso poema "Mar Português", de Fernando Pessoa, que remete às conquistas marítimas do século XV. E foi nele que pensei quando ontem, no noticiário, vi, maravilhada, que a nave Voyager saiu do sistema solar. 

Obviamente pensei também em "Space Oddity" (que tem esta versão alternativa, gravada in loco). E pensei em quanto o mundo é vasto e em quanto não temos a noção de nosso próprio tamanho. Sair do Sistema Solar! É um feito muito maior do que atravessar o Atlântico, ou que pisar na Lua. Ou talvez seja similar, porque eu não vivi no século XV nem em 1969 pra entender a grandeza dessas coisas que foram feitas naquele tempo durante  aquele tempo.

Mais incrível é pensar que a Voyager conseguiu esse feito há mais de um ano, mas só agora soube-se disso. Parece que o sinal de rádio demora 17 horas para viajar da Voyager à Terra.

É quase inacreditável saber que chegamos tão longe, mesmo com uma mentalidade tão estreita que ainda quer guerra na Síria, que sustenta corrupção e fome, que consome da Terra mais do que ela permite produzir.

Já não cabemos no mundo de Pessoa. As estrelas diferentes de Bowie já não nos bastam. Viajamos rumo ao desconhecido.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Somos tão jovens


Legião Urbana foi a banda da minha adolescência. O primeiro passo de muitas caminhadas musicais e literárias: Mônica gostava de Bandeira e do Bauhaus? Fui ler o primeiro e ouvir os segundos. Na dúvida, também fui ler a respeito da segunda.

A Legião ouvia Gang of Four antes da fama? Eu fui ouvir também. Gravei o videoclipe de “Há tempos” e assistia pausando, anotando o que via na estante que é cenário do clipe na esperança de ter contato com cada detalhe daquele universo: Bob Dylan, Judy Garland, Fernando Pessoa... Aos 13, quando o tempo livre era grande, ocupava-o tentando desvendar cada referência que percebia nas músicas e na história da Legião, que conhecia de cor e salteado, pelas fichas da Bizz, recortes de jornal e revista que eram guardados em pastas.

E foi conhecendo bem essa história que sábado entrei no cinema para assistir “Somos tão jovens”, que conta a “pré-história” da Legião, ainda em Brasília, antes de eles partirem para o Rio, no começo dos 80. Aborto Elétrico, o Trovador Solitário, o começo do Capital Inicial. Filme para fã, conta “mais do mesmo” do que eu já sabia, colando e editando rapidamente informações, com poucas novidades. Mas depois da sessão, vi que o filme agradou não só a fãs como eu, mas também a quem não tinha tanto tempo assim para gastar, ou para quem Legião não era a banda favorita da adolescência.  

Não é um grande filme, mas cumpre seu papel muito bem. A reconstituição de época é bem-feita e as figuras daquela época estão ali: Philippe Seabra, personagem, não precisa abrir a boca para ser reconhecido. Philippe Seabra, ele mesmo, faz uma ponta como personalidade de Patos de Minas, num momento de simpática diversão. Thiago Mendonça fica muito parecido com Renato Russo, a caracterização dos personagens remete bastante às figuras reais. Nicolau Villa-Lobos interpreta o pai. É um filme doce e singelo, sobre um tempo de certa inocência e sonho. E, no final, me emocionou. É, sempre mais do mesmo... não era isso que você queria ouvir (ver)?

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Liberdade obrigatória

A questão da homossexualidade tem tomado conta da agenda midiática. Contra e a favor, Feliciano, Bolsonaro, Wyllys, Mercury, Joelma. Entendo que as pessoas têm suas opiniões e crenças pessoais e que cada um faz o que quer da vida se isso não prejudicar o outro.

Essa é a razão pela qual pode, mas não é obrigatório, saltar de paraquedas, imitar a Madonna, praticar yoga, casar virgem, ouvir Ramones, pintar o cabelo, acreditar em Deus, ver novela, ser corinthiano, dar no primeiro encontro, cantar aquela canção do Roberto, rezar pra São Judas Tadeu, tocar violino, ler Paulo Coelho, ir ao cinema, torcer pro Fluminense, fazer plástica, andar de bicicleta, estudar Machado de Assis, usar lente de contato, beber café, fazer tatuagem, falar grego, preferir chocolate a guaraná, jogar Tetris. Essas - e muitas outras - são atividades individuais, que não interferem na vida alheia.

É por isso que eu acho absurda a celeuma que o tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo está causando. É uma questão de "foro íntimo", no sentido de que, se isso for previsto em lei, não obrigará as pessoas a obedecê-los. Quero dizer, se o casamento entre pessoas do mesmo sexo for previsto em lei, não significa que eu - que tenho um relacionamento de quase 20 anos com um homem que amo - vou ter que casar com outra mulher. Significa, apenas, que será permitido que duas mulheres ou dois homens se casem se eles assim desejarem. E não se trata de casamento religioso, mas civil. Porque o Estado é laico.

Não sou ingênua e sei que a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo não é simples assim e que envolve pressões fortes de grupos religiosos, preconceitos arraigados, medos inominados. Mas que eu saiba não há lei no Brasil que proíba a prática homossexual. Porque, é claro, para que não se volte à barbárie, a sociedade precisa de leis que a regulem e às quais cabe aos cidadãos obedecer.Ou seja, se for proibido, não pode.

Mas eu continuo achando que, dentro do universo das coisas que "pode", a única coisa que deve ser obrigatória na vida é a liberdade.

quarta-feira, 13 de março de 2013

O primeiro conclave a gente nunca esquece

Habemus Papam! Hoje foi proclamado Papa Francisco o argentino Jorge Mario Bergoglio. Foi o segundo conclave ao qual assisti. Na verdade, mal assisti este. Porque acho que é o primeiro conclave o que a gente nunca esquece...

João Paulo II tornou-se papa apenas dois anos depois que nasci e teve um longo pontificado: morreu em 2005. Naquela altura, havia sido quase minha vida inteira e um só papa. E não era um papa qualquer: ele tinha muito carisma, parecia muito bondoso e tinha aquele gesto emblemático de beijar o solo dos países que visitava. Era uma figura muito forte, "sin perder la ternura".

Morto "João de Deus" - a torcida do fluminense canta em sua memória até hoje nos estádios - veio meu primeiro conclave. O páreo era bem mais óbvio que este que terminou hoje. Ratzinger tinha um posto importante, era muito próximo de João Paulo II. A gente, mesmo sem entender muito de Vaticano, meio que sabia que ele seria escolhido. A única credencial que eu conhecia dele era que, em um posto ocupado numa instância que outrora fora o Tribunal da Inquisição, havia condenado Leonardo Boff ao silêncio. Não precisava de mais.

Mas, mesmo assim, era a primeira vez que eu via aquela situação pela TV. Sabia dos ritos, de como seria, do anúncio, da fumaça branca etc. Lembro de ter ficado muito atenta.

Agora, acho que foi uma situação meio anticlímax. O papa não morreu, renunciou. E o fez em um contexto politicamente complicado. Vai morar pertinho de onde morará o Papa Francisco, o que deixa dúvidas se vai continuar tendo influência sobre o poder ou se recolher de fato.  O conclave demorou a começar se pensarmos que o fim do pontificado tinha data certa. A esfera política tomou um espaço maior desta vez, com o Vatileaks. Acho que com tantos fatos e também porque já tinha visto isso antes, não fiquei tão antenada a esse conclave.

Hoje, soube da fumacinha branca primeiro pelo Twitter. E só então comecei a acompanhar as notícias em "tempo real". Não sei muito sobre o Papa Francisco. Mas em seu primeiro "Urbe et Orbi" achei-o simpático. Vejamos o que será além disso.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Censura?

Não sei porque, hoje topei com vários assuntos relacionados ao tema "censura" ao longo do dia.

O primeiro e mais comentado é a vinda de Yoane Sánchez, jornalista e blogueira cubana ao Brasil. Ontem, ela não pôde assistir ao documentário Cuba-Honduras, no qual aparece, porque manifestantes (contra ela ou contra a presença dela) não permitiram. Saiu-se bem, dizendo que só na democracia se pode protestar. É verdade. Mas a pergunta que me fica é: por que alguém protestaria contra a jornalista? Ou alguém realmente acha que Cuba é um país livre? Se quem estava na Bahia tentasse se manifestar em Cuba, duvido que conseguisse. Claro que existem perguntas a serem feitas a Yoane: quem pagou a vinda dela é apenas uma dessas perguntas. Mas é óbvio que não é só sobre isso que os manifestantes queriam falar. Acho que está implícito que existe uma "simpatia" pelo regime castrista, uma tentativa de dizer que o Brasil, se não é amigo, ao menos simpatiza com o regime da Ilha. Lógico que a questão é bem mais complexa que isso, estou tratando apenas da superfície aqui. Por outro lado é meio absurdo ver nas redes sociais gente dizendo "abaixo o PT que cala Yoane". Oi? Como é que alguém fala contra a censura pedindo a censura do adversário político/filosófico/ideológico? Contrassenso, no mínimo.

Li também uma notícia sobre um processo contra um site que satirizava a Folha. Tudo bem, os leitores podem confundir o blog da Falha com o site da Folha (ainda que isso me lembre a polêmica história de leitores com o perfil do Homer) e a Folha tem que manter sua postura de jornalismo sério etc. Mas é um blog, num território livre (enquanto o marco civil regulatório não for aprovado no Brasil, isso tudo é um terreno muito arenoso). Senão, o que dizer de iniciativas como Sensacionalista e Piauí Herald e até do José Simão, que trabalha na própria Folha? Quem é que define quem pode e quem não pode tirar sarro?

Outra notícia de hoje é a campanha Tweet Censurado, da Anistia Internacional, que alerta para esta questão.

Tudo isso me fez pensar um pouco como é que a gente lida com informação e censura, isso que é o cerne daquilo que escolhi fazer pra viver. Não acredito que haja uma resposta simples, direta e única. A questão é complexa, muito além do "pode tudo" ou do "não pode mexer com quem tem poder". Vai além do "direita vs esquerda" (ah, Norberto Bobbio!) e do "a internet é terra de ninguém". Eu nem tenho uma opinião imutável sobre cada um desses assuntos que expus aqui. Mas acredito que tudo isso junto possa ser um bom material pra refletir sobre como é que definem os limites do que pode ou não, do que se deve ou não hoje em dia. Porque tudo é muito mais plural, diversificado e complexo do que antes de o Muro cair. Existe o certo, o errado e todo o resto. E ninguém ainda sabe direito quais são os limites disso - o que é o esvaziamento puro do "politicamente correto", o que é "direito de livre expressão". Mas, se de fato "é proibido proibir", todo mundo tem que saber quais são as regras do jogo, fortalecer seus argumentos, jogar limpo e não se condoer por pouco ou nada.



quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Para o vazio não passar em branco

Hoje está acabando o primeiro mês de 2013. E me dei conta de que ainda não havia postado nada no blog neste ano. Então resolvi postar, a despeito da gripe que me nubla os pensamentos, impulsionada por uma bela reflexão que li no Facebook.

Lendo um lindo texto alheio sobre filhos, releituras, cheiro de manhã e Mrs. Dalloway, percebi o quanto este mês foi, para mim, vazio de inspiração. O quanto me deixei entrar na roda viva autômata de trabalhar loucamente enquanto grande parte dos outros descansava, o quanto questões profundas e até metafísicas tiveram de ser substituídas pela vida prática e por resoluções e atitudes pragmáticas, o quanto tive de deixar o "sentir" de lado para "agir". O quanto me esvaziei.

Não que isso seja ruim. Eventualmente é necessário e bom até. Mas nesse caso, acho que sufoquei coisas que não queria ter sufocado. E hoje me percebo longe de um caminho que queria traçar, sem exercitar o que me é mais caro. Se janeiro está terminando, o ano ainda está começando. E eu acho que o desafio deste 2013, pra mim, será tentar equilibrar desejo, necessidade e vontade. Sem deixar nenhum dos pratinhos estatelar-se no chão.