terça-feira, 6 de maio de 2014

Alienando?

Saiu no jornal e virou assunto nas redes sociais a notícia de que O Alienista, de Machado de Assis, será relançado, "simplificado" por uma autora que conseguiu patrocínio via Lei de Incentivo Fiscal. Serão 600 mil exemplares distribuídos gratuitamente pelo Instituto Brasil Leitor.

Confesso que, entre os 10 e 12 anos, li algumas adaptações de clássicos, como Sonho de uma noite de verão. Era a série "Reencontro", da Editora Scipione, neste caso com texto adaptado por Ana Maria Machado. Aliás, para escrever este texto, fui à estante resgatar esse exemplar e vi, na capa, o aviso, em forma de selo: "Obra selecionada para o Programa Sala de Leitura MEC/FAE". Esta edição, em especial, tem um texto honesto sobre a vida e obra do autor, além de uma ilustração bem didática sobre os personagens. É uma adaptação em prosa, o que também facilita a leitura da obra.

Só por isso, já seria incoerente de minha parte dizer-me contra adaptações. Mas acontece que, no caso do livrinho com a adaptação de Shakespeare, a obra foi pensada para ser lida por crianças. A questão é que, se você conhece aos 12 anos uma meia dúzia de histórias clássicas (mesmo que adaptadas), seu repertório se alarga e você ganha background que lhe possibilita - se quiser - encarar os clássicos no original (ou em boas traduções) de peito aberto, sem medo das "dificuldades" que são, muitas vezes, inerentes a obras que estão distantes do tempo e da realidade em que o leitor vive.

Não sou do tipo que acha que "filmes sobre livros perdem a riqueza original da obra". Pode até ser que isso aconteça, mas o fato é que, ao transpôr um livro para o cinema, cria-se outra obra, feita em uma plataforma diferente, que exige outros critérios de análise crítica. Mesmo quando um texto literário vai para o cinema ipsis litteris, ao final o que se tem é outra obra, que não pode, nem deve, em minha opinião, ser julgada com os mesmos critérios estéticos (porque cinema é feito de imagem e som, não só de palavras, para ficar em apenas um argumento básico).

O problema, neste caso que agora gera polêmica, penso, é que parece que o objetivo é "simplificar" a leitura de um clássico para pessoas que já teriam idade e condição de lê-lo no original. Parece-me que exclui-se da cena a figura do professor, que ajudaria o aluno de ensino médio a caminhar por essas veredas áridas e que ocuparia um papel fundamental: o do facilitador, aquele que media a relação entre o aluno e o livro, que apresenta este àquele; que auxilia aquele a decifrar este - gramatical e literariamente.

Pelo que li, a simplificação vai se dar basicamente no âmbito do vocabulário, para ajudar os estudantes a entenderem a "historinha", o enredo do livro. Ora, se o mais importante em um livro fosse a história que se conta, a forma como essa história é contada poderia ser esquecida e, então, só precisaríamos de uma história de cada "plot" (e, nesse cenário absurdo, quem precisaria de Dom Casmurro quando se tem Othelo?)

Transformar versos em prosa, livros em filmes, ou poemas em canções não me parece nenhum problema. Recriar uma obra (e aqui é preciso lembrar o trabalho árduo e muito importante dos tradutores) não é apenas válido, mas louvável em muitos casos.

Penso que a questão que se põe aqui é como usar essa "simplificação". A que ela servirá? A apresentar o enredo de um clássico para estudantes? De que idades? E qual será o papel dos professores, em sala de aula, diante desta adaptação?

Por fim, é sempre bom lembrar que temos todos o direito de saber o que será feito desta simplificação (a palavra foi atribuída à autora em uma entrevista que li). Afinal, ela foi produzida com dinheiro que empresas deixaram de pagar em impostos para o Estado - impostos que deveriam, em tese, beneficiar a todos os cidadãos brasileiros, seja por meio de saúde, educação ou cultura.