quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Uma pergunta perturbadora

Fui assistir This must be the place, filme lindo de Paolo Sorrentino com Sean Penn atuando de maneira estupenda. A trilha sonora é incrível, o enredo é um tanto estranho - o que na minha opinião é ótimo - e Sean Penn está em um de seus melhores momentos como ator.

Mas este post não é para falar deste filme, e sim do trailler que assisti antes de a sessão começar. Nem lembro o nome do filme do trailler, só sei que parecia uma mistura de Matrix com Vanilla Sky : um personagem vai a uma clínica que pode implantar memórias em sua mente, em um clima de aventura/ ficção científica, efeitos especiais de monte e, em geral, nada que pudesse chamar minha atenção, a não ser por uma pegunta feita pelo personagem funcionário da clínica ao personagem cliente: "Que memória você quer ter?"

A ideia de implantar uma memória de algo que não aconteceu a alguém na mente, ou no espírito, ou na psique dessa pessoa me pareceu muito perturbadora. E eu acabei me perguntando : que memória eu gostaria de ter?

No trailler do filme, os exemplos são meio heroicos: um atleta ganhando uma medalha, um policial que impede um crime. Eu acho que queria coisas mais simples. Uma coisa que eu queria ter memória é a sensação de fazer um gol. Acho tão incríveis aqueles jogadores que saem enlouquecidos pelo gramado, correndo, abraçando, pulando, só por terem feito um gol... deve ser realmente uma coisa especial.

Outra memória que eu queria ter é a de ter dançado um ballet como Dom Quixote, que eu acho que deve ser muito difícil dançar. Essa memória de poder fazer algo tão complexo aumenta a autoestima, sempre dá uma injeção de ânimo, sempre faz a gente pensar que "se eu fiz aquilo, qualquer outro desafio parece simples".

Eu tenho na minha memória de verdade algumas lembranças de coisas difíceis que superei e que me ajudam a ter essa sensação de "se fiz aquilo, isso é moleza". Mas a ideia de implantar memórias de situações não vividas me surpreendeu, me perturbou e me fez pensar em coisas muito além do que eu já tinha pensado.

E, então, de repente, Sean Penn apareceu na tela do cinema.


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*Atualização em 23/08: o filme em questão é um remake de Total Recall. Obrigada pela informação, Rodrigo Trindade!

domingo, 12 de agosto de 2012

Na balada e na roubada

Eu uso essa frase aí do título, em tom de brincadeira séria, pra sintetizar o que considero uma amizade de verdade. Quando as pessoas casam, o padre pergunta se vai ser "na alegria e na tristeza". E eu acredito que, de modo análogo, amizade tem que ser na balada e na roubada.

Porque, pra mim, não adianta ter amigos que só saem pra se divertir, beber e dançar sem mais profundidade e intimidade nas conversas e sentimentos. Mas também acho que amizades que só se procuram quando há um problema não são muito saudáveis. Acho que tem hora pra rir e pra chorar e creio que amigos de verdade acompanham a gente nos dois momentos.

Isso permite que eles nos acompanhem ainda em outros momentos: de sair pra dançar, de ir em show, de tomar cerveja, café e vinho (cada bebida parece ter uma conversa específica para acompanhar), de ver um filme, de assistir TV, de ouvir música e até de ficar em silêncio, sem que isso soe constrangedor (os amigos que sabem estar juntos em silêncio, eu acho, são os amigos mais caros e raros, aqueles com quem temos amizades mais profundas e fundamentais).

Eu sou muito exigente com minhas amizades. São poucas e boas - eu diria muito boas, com pessoas especiais, com quem posso contar de verdade. Não acredito naquela história de que "a gente pode passar anos sem se ver". Quem eu amo, eu quero perto de mim, pra cuidar, pra acompanhar a vida cotidiana - a ida ao médico, o resultado da prova, o desfecho do problema no trabalho, a febre do filho. Acho que quando a gente sabe dessas coisas quase bobas, prosaicas, da vida do outro, somos capazes de saber de sentimentos profundos, de compartilhar histórias realmente importantes. Gosto de saber e de dar a conhecer essa parte mais superficial, porque acredito que, com o tempo, por ela, venha a parte mais profunda: do abraço apertado que conta segredos sem falar, do choro sem razão, da risada desbragada, dos papos-cabeça sobre filosofia, cinema e literatura, de falar sobre um e outro.

Com isso, as relações ficam expostas. É preciso muita coragem pra se expor assim. Porque quando essa relação é traída, dói muito mais do que doeria se a gente se resguardasse. Mas a recompensa, por outro lado, é gigante: é ter ao lado da gente gente em quem a gente pode confiar, gente que faz a vida da gente melhor, gente que ensina lições lindas de vida.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Livros são objetos civilizatórios

Foi isso que comentei numa foto que uma amiga colocou no Facebook dela. A foto, tirada na França, mostrava uma caixa transparente, contendo livros, com os dizeres: "Dar" e "Receber".

Por isso, pensei que livros são objetos civilizatórios: quem dá um livro e pega outro em troca ( o bookcrossing) raramente tem a má intenção de roubar um livro para si sem dar outro em troca. Sem dúvida, isso mostra a capacidade de viver em sociedade sem subtrair do outro.

Mas há um significado muito mais amplo: os livros têm a capacidade de nos salvar da barbárie, de nos tirar de nosso próprio umbigo para viver outra vida, outra história, noutro mundo. Isso pode nos ajudar a conhecer o mundo, a nos colocarmos no lugar do outro, a tirar nosso preconceito, a sermos menos egoístas e egocêntricos.

Lógico que não é porque alguém lê, ou é culto, que é bom. Nem tampouco quer dizer que quem não lê não pode ser bom. Mas acredito que a cultura nos leva a um patamar de civilização, nos livra da barbárie, sem dúvida.  

E ao contrário do que muita gente diz, não acho que valha ler "até bula de remédio". Livros têm que encantar, hipnotizar, fazer a gente sonhar e viajar. Livros precisam alimentar a alma.

A grande questão é não ter medo de enfrentar. Eu li "Dom Casmurro" com 14 anos. Claro que não entendi nem metade, mas tive a sorte de alguém me explicar antes de começar que aquela era uma história de mistério, de tentar convencer o leitor se a mulher tinha ou não traído o marido. Óbvio que não é isso, só. Afinal, essa teoria apareceu só muito tempo depois do livro ter sido publicado. Mas isso me motivou a enfrentar o livro, pra tomar partido, pra ter minha própria opinião. E depois, muito tempo mais tarde, fui me aprofundando nesse universo. Mas tudo começou aos 14, com a curiosidade de descobrir quem tinha razão: Bentinho ou Capitu.

Então, dizer que tem que começar "de leve", com "literatura fácil", pra mim é bobagem. O que eu acho é que tem que dar ao leitor algo que faça parte do repertório dele, algo que lhe chame a atenção. E os clássicos só o são porque tocam, universalmente, em questões humanas tão profundas, que concernem a todos nós.

Não há menina sonhadora que não se encante com Jane Austin, não há garoto rebelde que não se impressione com Demian. Não há curiosidade que resista a um livro dedicado "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver", se a gente explicar pro leitor que aquele é um autor que escreveu o livro depois de morto.

O problema é dar menos do que o leitor precisa. Todo leitor tem fome e sede de leitura, mas se a gente acostumá-lo a pouco, será subnutrido; não saberá que existe um Banquete à espera, se só conhecer as migalhas do chão (ou as sombras refletidas na parede da Caverna).

Nem todo mundo vai se tornar um leitor apaixonado. Mas acho que é preciso tentar. E, mais: dar a chance de fazê-los provar do melhor.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Bonjour Tristesse

Tem dias em que não importa se faz sol, se eventualmente uma atividade profissional é realmente interessante e recompensadora, se você sente que pode fazer a diferença no mundo. Tem dias em que o mundo é indiferente a você.

Dias em que a porrada é inevitável, quando a rasteira inconsequente derruba, quando a dor se instala na alma. Dias quando era preciso que o telefone tocasse e ele simplesmente emudece. Dias em que se percebe que egoísmo e fraqueza podem ser as armas alheias de quem joga, nem sempre limpo.

Dias em que Tânatus toma conta de tudo e o nó na garganta é maior que a explosão do choro.

Dias de ver a dor de quem se ama estampada na alma e no olhar, dias que não passam de noites em claro, dias de ressaca sem porre.